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Foto do escritorAna Carolina Urel

Eu só posso imaginar...

Atualizado: 19 de abr. de 2024

"Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu.

Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou;

Tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derrubar, e tempo de edificar;

Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar;

Tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de afastar-se de abraçar;

Tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de lançar fora;

Tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de estar calado, e tempo de falar;

Tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz."


Eu devia ter uns 8 anos, mais ou menos, não me lembro com certeza. A memória é mais ou menos a seguinte, meus avós precisavam ir ao médico em Marilia (cidade vizinha a que eu moro e mais desenvolvida) e eles decidiram levar o meu irmão. Disseram que iam passear depois do médico, e eu queria muito ir junto, afinal eu também queria passear. Só que eles já tinham combinado de levar as irmãs da minha avó também e disseram que não poderiam me levar. Eu fiquei muito chateada e insisti que eu queria ir também. Entretanto, combinado era combinado. Não tinha lugar para mim. Eu não fui.

Passei a tarde muito brava e chorando. Disse para minha mãe que todo mundo gostava mais do João do que de mim, que não custava nada me levar. Não importava o que minha mãe dizia, eu continuei muito brava.


Passei a tarde assistindo desenho no quarto dos meus pais que era o único que tinha TV a cabo. No final da tarde, meu pai chegou do trabalho e assobiou da porta, depois chamou Carolzinha. Eu deitada na cama olhei para ele, não muito empolgada, ainda estava chateada, e ele me chamou: Vem cá, eu tenho uma surpresa para você. E eu como uma boa criança revoltada disse que não queria, estava muito triste.

Então meu pai veio até mim e me deu um pedaço de bolo comprado no mercado. Quem me conhece sabe que eu amo um doce, ainda mais doce comprado de padaria ou mercado. Não lembro do que era o bolo, lembro que era preto e branco com chocolate.


Meu pai disse que tinha trazido o bolo para mim e que o bolo era só meu. Ele entendia que eu estava chateada por não ter ido passear, mas que o João ir no passeio não significava que o João era mais amado que eu. Ele disse que me amava muito e que eu também era muito especial. Que nós podíamos assistir desenho, comer bolo e ter um dia especial. Eu era a filhinha dele e ele me amava muito. Ele me disse para não esquecer disso. Disse para eu sempre me lembrar que o pai me amava.


Corta para quando eu tinha uns 14 anos, mais ou menos, não me lembro direito. Eu chego da escola e meu pai está em casa nos esperando para o almoço. Era um dia da semana que eu chegava em casa antes da minha mãe e do meu irmão. Meu pai fala comigo e eu finjo que não o ouço. Eu tinha decidido que não falaria mais com ele. Eu estava com muita raiva. Hoje em dia não me lembro o porque eu estava com raiva dele, mas era muita raiva. Meu pai tentou novamente falar comigo e eu continuei fingindo que não podia escutar. Então ele parou de tentar. O meu voto de silêncio durou mais ou menos uma semana. E depois voltamos a conversar. Em algum momento da minha adolescência eu comecei a cultivar muitos sentimos ruins contra o meu pai. Todos os defeitos dele na minha cabeça eram a causa do sofrimento da nossa família. E eu passei de filhinha do papai para inimiga do meu pai.


O meu pai tinha muitos defeitos, assim como eu, mas por muito tempo eu acreditei que meu pai precisava mudar para que a minha vida fosse melhor. Eu o culpei, briguei, ignorei e enchi meu coração de raiva. Por muito tempo nós tivemos um relacionamento muito turbulento. Passei anos e anos orando para que o meu pai se convertesse. Muitos anos orei com a motivação errada e por outros tantos anos na esperança que Jesus encontrasse meu pai.

Não vou detalhar aqui neste texto os problemas exatos que o meu pai tinha. Não sei se é certo neste momento expor sua intimidade, talvez se você já tenha conversado comigo pessoalmente você saiba mais detalhes da nossa história. Meu pai era uma pessoa de temperamento explosivo quando eu era criança e depois da sua depressão passou a ter um temperamento apático. Como meu irmão disse no velório do meu pai e eu concordo é que meu pai um dia já foi uma das pessoas mais alegres que eu já conheci, porém infelizmente depois de ficar doente ele foi uma das pessoas mais tristes que já conheci também.


Quando ele tinha o temperamento explosivo eu torcia para que ele fosse mais calmo, quando depressivo eu torcia para que ele reagisse. Era difícil o relacionamento com ele, principalmente depois da depressão era como se só tivesse a casca da pessoa que ele tinha sido. Por muitas vezes tentei fazer meu pai reagir na minha própria força, não adiantou é claro. E então em algum momento aceitei que sempre oraria pelo meu pai, ele mudando ou não. Deus o curando ou não, fazendo nossa vida familiar ser mais fácil ou não. Eu amaria Jesus e amaria meu pai.


Um pouco antes de eu ir fazer o intercâmbio nos Estados Unidos eu fui para São Paulo tirar o visto e fiquei uns dias em Santos com meu irmão e a minha cunhada. Em um dos dias que eu estava lá eu assisti o filme "Eu só posso imaginar", eu fui ao cinema sozinha, o João e a Thais tinham um compromisso da igreja. Assisti aquele filme e chorei tanto que fiquei até com vergonha no cinema. Não sei se você já assistiu a esse filme, caso não tenha assistido recomendo que o faça, não é aquele filmaço maravilhoso, produção impecável, mas é um bom filme cristão. Talvez piegas como muitos que eu já vi, porém Deus usou muito desse filme para falar ao meu coração. Vou fazer um resumo do filme rapidamente para explicar o porque ele é importante nesta história.


A sinopse do filme é a seguinte:

"Quando as tentativas de convivência com seu pai se tornam insustentáveis, Bart decide abandonar a cidade natal para criar uma nova vida.” (Sinopse retirada da internet)


O filme fala um pouco sobre o relacionamento de Bart e seu pai. Eu vou resumir bem resumido aqui porque não quero me focar nisso. Bart tem uma infância difícil com o seu pai depois que a mãe o abandona e quando jovem deixa a casa do seu pai para viver de música. Um tempo depois ele volta para casa e seu pai tinha mudado MUITO! Ele tinha se convertido, Bart fica cético por muito tempo. Ele não conseguia associar o pai de agora com o pai que o tinha feito sofrer no passado. Enfim. ALERTA DE SPOILER, o relacionamento deles melhora muito depois. É muito legal mesmo e depois o pai dele acaba falecendo. E então, ele escreve a música "Eu só posso imaginar".


Bom, voltando para mim quando eu assisti esse filme chorei tanto porque gostaria de ter uma relação melhor com o meu pai. Obviamente, não queria que ele tivesse o mesmo fim do filme, mas queria que nós pudéssemos ser amigos.


Quando eu morei nos Estados Unidos durante o período de Au Pair Deus curou meu coração de muitas maneiras, me curou da raiva, rancor e de feridas que eu carregava. Não só as relacionadas ao meu pai, mas sobre muitas pessoas na minha vida.

Ainda nos Estados Unidos, eu escrevi uma carta para o meu pai, nela eu pedia perdão por ter sido tão dura, tão implacável com ele. Eu escrevi que o amava muito e meu desejo era passar mais tempo com ele. Ele guardou a cartinha na carteira até o dia que ele faleceu. A cartinha ainda está la dentro, não tive coragem de tirar.


Em outro momento da história quando eu já namorava o Chris, ele sugeriu que vivêssemos no Brasil por um período. De começo não entendi muito bem o que iria fazer no Brasil, eu estava até então feliz morando nos Estados Unidos, hoje olhando para trás eu sou imensamente grata a Deus por ter colocado essa vontade no coração do Chris e confirmado isso nos nossos corações.


Em Março de 2021 eu voltei para o Brasil. Tive exatamente um ano com o meu pai.

Voltar foi difícil para mim, mas o relacionamento com o meu pai foi mais fácil. Aquela garotinha filhinha do papai estava viva em algum lugar e ela voltou a aparecer.

Antes de irmos para o Brasil, avisei o Chris sobre a condição do meu pai e é engraçado que naquele período que estivemos com ele, ele mudou tanto que muitas das coisas que eu avisei o Chris que poderiam acontecer nunca aconteceram.


Meu pai não se curou da depressão enquanto nós estávamos lá, mas nos o amamos em meio aos seus problemas. Nós fizemos dele nossa prioridade junto com a minha mãe e eu vi ele alegre como não via a muito tempo. Passamos muitas tardes assistindo filmes de faroeste que ele amava, jantávamos juntos, andávamos alguns quarteirões, jogávamos domino, visitávamos a vó no sitio, ele foi até viajar o que não fazia há muitos anos, comemorou o aniversário dele com a familia soprando velinhas segundo ele pela primeira vez, ele dançou, dirigiu pela primeira vez em muito tempo, riu, chorou, quando o Chris e eu choramos pela frustração do nosso casamento ele chorou conosco, passou a noite inteira preocupado se eu tinha achado bonito, se eu estava bem, ele e o Chris viraram bons amigos e se comunicavam bastante do jeito deles.

Era um prazer totalmente novo estar com o meu pai naquela estação.


Eu não fui para o Brasil com a intenção de mudar meu pai ou nada parecido. Queria amar meus pais e passar tempo com eles enquanto estivesse no Brasil. Queria ajudá-lo dentro das suas possibilidades, não queria exigir que ele corresse uma maratona do dia para noite. Talvez andar um quarteirão e era isso que ele podia e fazia, mas aquele quarteirão era um avanço tão grande que ele até emagreceu enquanto estávamos lá.


Se eu pudesse voltar no tempo e falar alguma coisa para Carol adolescente eu certamente diria que bater cabeça com o pai não mudaria ele, mas fé, graça, tempo e oração podiam. Talvez não no meu tempo, mas no tempo de Deus.

Eu sei que Deus tem um tempo perfeito para tudo e eu voltei diferente dos Estados Unidos, meu pai falava isso para todo mundo. Ah, que saudade dele.


Uns dias antes dele falecer o Chris e eu estávamos em casa num sábado a noite e estávamos pensando quais amigos poderíamos chamar para sair. Na hora, pensei vamos chamar meus pais. Levamos eles para comer e meu pai estava tão tão feliz, disse que no proximo mês depois do pagamento deveríamos voltar e daquela vez ele pagaria a conta. Subimos e descemos a avenida da cidade e ele ficou feliz de ver tudo. Falou desse jantar para família inteira. No sábado antes dele falecer fomos tomar sorvete, no domingo rimos na cozinha disputando o resto do salpicão e três dias depois Deus o levou. Na terça a noite antes dele falecer o Chris disse para eu ir na sala onde meu pai estava vendo TV e dizer que o amava. Fui e o fiz, nunca achei que ele ia falecer, achei que ele só estava tendo mais uma crise de diabetes.


No dia do seu falecimento eu o ajudei a tomar banho, como já tinha o ajudado outras vezes, a Carol adolescente que disse que nunca cuidaria do pai tinha se transformado em outra que cuidava do pai em amor. Ele disse que me amava poucos minutos antes de falecer, me agradeceu por cuidar dele e pediu perdão por ter dado trabalho. Eu disse para ele obrigada por ter me perdoado também e para ele ficar tranquilo que o Chris e eu cuidaríamos dele.


Infelizmente meu pai não viveu muito depois disso. Fiquei em choque o dia todo, não consegui dormir, meus olhos doíam porque eu não conseguia fecha-los. Estava tudo bem até que não estava mais.


Eu comecei a escrever esse texto aqui diversas vezes, parei, voltei e hoje terminei. Não conseguia parar de chorar escrevendo isso. Entretanto, eu realmente queria terminar, para quem me conhece e conhece a minha história esse capitulo é muito importante e não poderia deixar de falar do que Deus fez nele.


Assim como no filme que eu citei acima eu ganhei o meu milagre. O amor de Deus me mudou, me fez amar meu pai com todos os nossos problemas e dificuldades e eu tive o privilégio de em vida restaurar o relacionamento com meu pai. Nem todo mundo tem essa oportunidade e eu tive. Nosso relacionamento melhorou tanto que quando ele se foi ficou aquele gostinho de quero mais. Quero assistir esse filme de novo junto, rir na cozinha, ver qualquer esporte que ele gostasse, passear, conversar e viver.


Deus, porém, sabe de todas as coisas e eu confio no seu amor por nós e meu pai teve que partir.

Escrevo esse texto com muita gratidão e amor pelo meu Pai nos céus e meu pai terreno. Escrevo esse texto com a convicção de que o amor muda as coisas. Talvez o tempo de Deus não seja o mesmo que o meu, mas ele não falha.

Escrevo esse texto com a convicção de que quando tentei controlar as pessoas com as minhas próprias mãos só tive frustração e sofrimento, quando coloquei o controle nas mãos de Deus Ele fez o que era sua vontade e Sua vontade era boa.


Um tempo depois do falecimento do meu pai lembrei-me da oração que eu fiz depois de assistir o filme “Eu só posso imaginar” e chorei mais uma vez e louvei a Deus por ter respondido uma oração que eu nem lembrava mais que tinha feito. Ainda sinto falta do meu pai, mas sei que Deus é bom, soberano e perfeito em tudo o que faz. Há tempo para amar.

Sei que é meio clichê a maneira que terminarei esse texto, mas a morte é aquele grande lembrete de que não dá para deixar tudo para depois, então ame hoje, PERDOE hoje, restaure relacionamentos. E louve a Deus pela oportunidade de estar com pessoas.


Para o meu pai que me ensinou que muitas vezes a gente planta algo para colher o fruto só muitos e muitos anos depois, sei que ele não pode ler isso, mas obrigada pelo amor e pela paciência. Amo você Rinaldo, Ric, gordinho, papi. Até a volta de Jesus, se Deus quiser.




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1 Comment


taijuh0109
Apr 27, 2023

Tive que parar algumas vezes de ler pq não gosto que o Rag me veja chorando… quando vc no início disse que ele chegou assobiando… parece que eu pude ouvir isso que ele tanto fazia! Aí prima, eu fico imensamente feliz por esse tempo q vc teve com ele, a última vez q estive em Tupã eu presenciei a felicidade que o tio Maguila estava, ele realmente estava mto diferente! Mta saudade dele💔 Parabens pela escrita, por abrir seu coração! Um beijo e fique com Deus!

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